quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Inteligência Espiritual


por Dana Zohar

No livro QS - Inteligência Espiritual, lançado no ano passado, a fí¬sica e filósofa americana Dana Zohar aborda um tema tão novo quanto polêmico: a existência de um terceiro tipo de inteligência que aumenta os horizontes das pessoas, torna-as mais criativas e se manifesta em sua necessidade de encontrar um significado para a vida. Ela baseia seu trabalho sobre Quociente Espiritual (QS) em pesquisas só há pouco divulgadas de cientistas de várias partes do mundo que descobriram o que está sendo chamado "Ponto de Deus" no cérebro, uma área que seria responsável pelas experiências espirituais das pessoas. O assunto é tão atual que foi abordado em recentes reportagens de capa pelas revistas americanas Neewsweek e Fortune. Afirma Dana: "A inteligência espiritual coletiva é baixa na sociedade moderna. Vivemos numa cultura espiritualmente estúpida, mas podemos agir para elevar nosso quociente espiritual".

Aos 57 anos, Dana vive em Inglaterra com o marido, o psiquiatra Ian Marshall, co-autor do livro, e com dois filhos adolescentes. Formada em fí¬sica pela Universidade de Harvard, com pós-graduação no Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), ela atualmente leciona na universidade inglesa de Oxford. É autora de outros oito livros, entre eles, O Ser Quântico e A Sociedade Quântica, já traduzidos para português. QS - Inteligência Espiritual já foi editado em 27 idiomas, incluindo o português (no Brasil, pela Record). Dana tem sido procurada por grandes companhias interessadas em desenvolver o quociente espiritual de seus funcionários e dar mais sentido ao seu trabalho. Ela falou à EXAME em Porto Alegre durante o 300 Congresso Mundial de Treinamento e Desenvolvimento da International Federation of Training and Development Organization (IFTDO), organização fundada na Suécia, em 1971, que representa 1 milhão de especialistas em treinamento em todo o mundo. Eis os principais trechos da entrevista:

O que é inteligência espiritual?
É uma terceira inteligência, que coloca nossos atos e experiências num contexto mais amplo de sentido e valor, tornando-os mais efetivos. Ter alto quociente espiritual (QS) implica ser capaz de usar o espiritual para ter uma vida mais rica e mais cheia de sentido, adequado senso de finalidade e direção pessoal. O QS aumenta nossos horizontes e nos torna mais criativos. É uma inteligência que nos impulsiona. É com ela que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor. O QS está ligado à necessidade humana de ter propósito na vida. É ele que usamos para desenvolver valores éticos e crenças que vão nortear nossas ações.

De que modo essas pesquisas confirmam suas idéias sobre a terceira inteligência? Os cientistas descobriram que temos um "Ponto de Deus" no cérebro, uma área nos lobos temporais que nos faz buscar um significado e valores para nossas vidas. É uma área ligada à experência espiritual. Tudo que influência a inteligência passa pelo cérebro e seus prolongamentos neurais. Um tipo de organização neural permite ao homem realizar um pensamento racional, lógico. Dá a ele seu QI, ou inteligência intelectual. Outro tipo permite realizar o pensamento associativo, afetado por hábitos, reconhecedor de padrões, emotivo. É o responsável pelo QE, ou inteligência emocional. Um terceiro tipo permite o pensamento criativo, capaz de insights, formulador e revogador de regras. É o pensamento com que se formulam e se transformam os tipos anteriores de pensamento. Esse tipo lhe dá o QS, ou inteligência espiritual.

Qual a diferença entre QE e QS?
É o poder transformador. A inteligência emocional me permite julgar em que situação eu me encontro e me comportar apropriadamente dentro dos limites da situação. A inteligência espiritual me permite perguntar se quero estar nessa situação particular. Implica trabalhar com os limites da situação. Daniel Goleman, o teórico do Quociente Emocional, fala das emoções. Inteligência espiritual fala da alma. O quociente espiritual tem a ver com o que algo significa para mim, e não apenas como as coisas afetam minha emoção e como eu reajo a isso. A espiritualidade sempre esteve presente na história da humanidade. No iní¬cio do século 20, o QI era a medida definitiva da inteligência humana. Só em meados da década de 90, a descoberta da inteligência emocional mostrou que não bastava o sujeito ser um gênio se não soubesse lidar com as emoções. A ciência começa o novo milênio com descobertas que apontam para um terceiro quociente, o da inteligência espiritual. Ela nos ajudaria a lidar com questões essenciais e pode ser a chave para uma nova era no mundo dos negócios.

Dana Zohar identificou dez qualidades comuns às pessoas espiritualmente inteligentes. Segundo ela, essas pessoas:

1. Praticam e estimulam o autoconhecimento profundo.
2. São levadas por valores. São idealistas.
3. Têm capacidade de encarar e utilizar a adversidade.
4. São holísticas.
5. Celebram a diversidade.
6. Têm independência.
7. Perguntam sempre "por quê?"
8. Têm capacidade de colocar as coisas num contexto mais amplo.
9. Têm espontaneidade.
10.Têm compaixão.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ser pastor hoje: Reflexões sobre o pensamento de Eugene H. Peterson acerca da vocação pastoral



por
Ricardo Agreste da Silva

Nos últimos quatro anos, tenho sido tremendamente impactado pelos escritos de um pastor presbiteriano chamado Eugene H. Peterson. Ele tem sido, para mim, uma espécie de mentor em minha jornada de descoberta da vocação pastoral, em meio a tantas outras vozes com suas idéias e propostas altamente sedutoras. Este texto é fruto de minhas anotações sobre algumas de suas idéias. Assim, achei que seria interessante compartilha-lo, tanto para reflexão de outros, como para provocar a discussão sobre o que realmente significa “ser pastor”. Em minha opinião, a discussão deste assunto é hoje uma questão de vida ou morte, não somente para aqueles que desempenham o ministério pastoral, como para as igrejas que são por eles pastoreadas.

Entre Domingos:
Aos domingos, a vida pastoral até que não parece ser tão difícil. Afinal, tudo está relativamente em ordem, da liturgia ao sermão, do boletim ao coral e todas as pessoas, bem arrumadas e assentadas, estão prontas para participar do momento de adoração e, aparentemente, dispostas para ouvir a pregação da Palavra de Deus.
O problema é que, de segunda a sábado, as coisas não acontecem de forma tão organizada, ou mesmo, previsível. As pessoas não parecem tão arrumadas e prontas para a adoração a Deus, muito menos para ouvir Sua Palavra. Então, a ordem da adoração dominical dá lugar a realidade do caos cotidiano.
Apesar do domingo ser um dia essencial no trabalho pastoral, a maior parte deste ministério se dá nos dias que separam um domingo do outro. Por isso, pastoralmente, precisamos dar a mesma atenção ao cotidiano, procurando desenvolver a arte de pastorear em meio ao caos, ou como Peterson coloca: “praticar a arte de orar em meio ao tráfico” [1]

Curar Almas: A Arte Esquecida
Hoje, existe certa distinção entre o que pastores fazem aos domingos e o que fazem entre os domingos. O que fazem aos domingos não mudou ao longo dos últimos séculos: pregar a Palavra, administrar os sacramentos e zelar pela disciplina. No entanto, a tarefa entre domingos foi drasticamente alterada no último século.
Antigamente, o trabalho pastoral entre domingos era parte do que era feito aos domingos. Entre domingos, pastores estavam com indivíduos ou pequenos grupos para estudar a Bíblia e orar com e por eles. O cenário mudava mas o objetivo era o mesmo: descobrir o significado das Escrituras, desenvolver uma vida de oração, guiando pessoas à maturidade. [2]
Este trabalho pastoral era nomeado historicamente como o serviço de cura das almas. O sentido original da palavra latina “cura” é cuidado. Assim, como Peterson aponta, “a cura de almas, pois, é dirigido pelas Escrituras, moldado pelo cuidado na oração, dedicado a pessoas individualmente ou em grupos, em lugares sagrados e profanos. É uma determinação em trabalhar com o centro, em concentrar-se no essencial.” [3]
Atualmente, o trabalho pastoral entre domingos é definido pelo trabalho de “tocar uma igreja” assim como um comerciante toca sua loja ou um empresário a sua empresa. O trabalho pastoral foi quase que inteiramente secularizado, exceção feita ao trabalho dominical. Os mentores dos pastores atuais não são os sábios mestres da antiguidade, mas os espertos consultores de liderança empresarial. A vocação pastoral não é orientada pela oração e sensibilidade, mas pela ação e esperteza para fazer uma igreja crescer e destacar-se.
Com isso, não estamos querendo dizer que no trabalho pastoral não existem atividades administrativas necessárias para a vida da igreja com as quais o pastor acabe por se envolver. No entanto, como Peterson sabiamente compara, como homens casados precisamos “tocar a casa” com nossas esposas. Contas necessitam ser pagas, pequenas reformas feitas e decisões tomadas. No entanto, no casamento e em família, “tocar a casa” não é o que fazemos essencialmente. A avenida principal de nossa vida em família é caracterizada pela construção de um lar, pelo desenvolvimento de um relacionamento conjugal sólido, pela criação de filhos, pela alegria em receber amigos, etc.

Á reas de tensão:
Mas não quero ser tido por idealista e irreal nas expectativas. Tenho plena consciência de que o problema maior de pastores que desejam se tornar guias de almas hoje será o fato de que este ministério se dará no meio de pessoas que esperam que eles “toquem uma igreja”. A tensão entre a vocação de um pastor e a expectativa de uma congregação se dará, segundo Peterson, especialmente em três áreas: na iniciativa, na linguagem e nos problemas.
A tarefa de “tocar uma igreja” exige muita iniciativa. Desde a concepção da idéia, da motivação do grupo, até o recrutamento, o treinamento e a supervisão do trabalho. Iniciativa é essencial e o combate a indolência imprescindível. Diferentemente, no trabalho da cura de almas, o pressuposto básico é de que Deus já tomou a iniciativa em todo lugar e a todo momento. Ele já está no controle da situação. Deus já está atuando diligente, redentiva e estrategicamente antes de eu aparecer em cena. Assim, enquanto as perguntas de alguém que “toca uma igreja” são: O que devemos nós fazer? Quais as providências que devemos nós tomar para melhorar esta comunidade? As perguntas de quem “cura almas” são: O que tem Deus feito na vida deste grupo de forma que possa eu participar? Como a graça de Deus tem se manifestado entre eles de forma que eu possa explicitar? O que Deus quer fazer deles de forma que eu possa contribuir?
Assim, o trabalho pastoral de curar almas, no que se refere a organização e planejamento do grupo, se torna não necessariamente um trabalho de ter e vender idéias, mas de descobrir o que Deus já tem feito na história do grupo e o que ele ainda deseja fazer em suas vidas, vivendo o ministério de acordo com esta direção.
Na tarefa de “tocar uma igreja” a linguagem básica usada é descritiva e motivacional. Descritiva por que quero que as pessoas estejam informadas acerca do que fazer. Motivacional por que então as pessoas se engajarão no que deve ser feito. Diferentemente, no trabalho de curar almas, o pastor esta muito mais interessado no que as pessoas são e no que estão se tornando em Jesus do que no que sabem e nas funções que podem desempenhar. É claro que, como pastores, temos muito o que ensinar e muito que desafiar a fazer. Mas nosso primeiro trabalho na vida das pessoas está relacionado não ao que sabem ou ao que fazem, mas ao que são. Ser pastor implica em descobrir e usar, primariamente a linguagem relacional que tem lugar na conversa com pessoas e na oração para com Deus.
Na tarefa de “tocar uma igreja”, uma das atividades mais comuns está relacionada a resolver problemas. A grande dificuldade é que os problemas vão surgindo com tanta intensidade que a solução dos mesmos torna-se o trabalho integral do pastor. Diferentemente, na tarefa de curar almas, os problemas não são vistos como dificuldades a serem resolvidas, mas como mistérios a serem explorados. No entanto, na sociedade secularizada em que vivemos, nada gera mais desconforto nas pessoas do que as situações que não podem ser explicadas, controladas e direcionadas imediatamente. Se deixarmos que nossa tarefa pastoral se restrinja a solução simples e imediata de problemas, estaremos abrindo mão de uma das mais significativas experiências pastorais que é a de guiar as pessoas em meio ao caos e ensiná-las a orar no meio do tráfico do cotidiano.

NOTAS:
1. Eugene H. Peterson, The Contemplative Pastor (Grand Rapids: Eerdmans, 1993), p. 54.
2. Em seu outro livro, Working the Angles (Grand Rapids, Eerdmans, 1994), Peterson trabalha estes três elementos: Palavra, Oração e Orientação Espiritual, como sendo os três atos essenciais no ministério pastoral.
3. Eugene H. Peterson, The Contemplative Pastor, p. 57.

Cristianismo Hoje: Os Guinness


Leia uma entrevista com Os Guinness onde ele defende que 'o crente precisa engajar-se no debate dos problemas da sociedade, pois só o cristianismo oferece soluções coerentes'.
Hoje morando nos Estados Unidos e com mais de vinte obras de grande sucesso internacional publicadas, Os Guinness se tornou um dos principais apologistas cristãos da atualidade. Com uma bagagem que poucos têm, ele consegue fazer pontes entre as áridas e complicadas teses acadêmicas e a prática diária. Em setembro, Os Guinness esteve pela primeira vez no Brasil a convite da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, para participar de um congresso internacional sobre ética, cidadania, religião e cultura. Durante um intervalo entre as muitas palestras sobre os efeitos da globalização e de como pode ser repensada a relação entre a vida pública e a religião, ele recebeu CRISTIANISMO HOJE para esta entrevista exclusiva:

CRISTIANISMO HOJE – Como o senhor define “a jornada”, um conceito que tem utilizado em seu livro O chamado? Ela é pessoal ou universal?
OS GUINNESS –Jornada é a mais profunda ilustração humana na busca pelo sentido da vida. Basta verificar grandes histórias de jornadas – o Êxodo, a Odisséia, a Ilíada, Dom Quixote, O Peregrino... Todas elas têm em comum a busca por significados. Eu divido a jornada em quatro fases. A primeira é a do questionamento. É a busca consciente. A segunda fase é a das respostas, e eu considero que a fé cristã é a única crença a apresentar uma resposta adequada para essa busca. A terceira etapa é a das evidências. Já que as respostas nos dão sentido, queremos então saber o que é verdade. E, por fim, a última etapa da jornada é aquela que leva ao compromisso. A noção de jornada é a mais profunda ilustração de como as pessoas vêm e se encontram na fé cristã.

Como foi a sua jornada pessoal?
Meus pais eram missionários na China e eu nasci lá. Ainda criança, tive que deixá-los e seguir para a Inglaterra por causa dos comunistas. A minha própria jornada para a fé foi uma travessia intelectual. Comparei os argumentos de autores como Nietzsche, Jean Paul Sartre e Camus, os grandes ateus dos séculos 19 e 20, com os de grandes pensadores cristãos, como Dostoievsky, Chesterton e acima de todos C.S. Lewis. Ao final de minha busca, eu estava certo de que a fé cristã era de fato verdadeira.
Madre Tereza de Calcutá, considerada por muitos católicos uma espécie de “santa” contemporânea, revelou em suas cartas, hoje transformadas em livro, suas dúvidas e angústias acerca da própria fé. O senhor também escreveu sobre isso. Qual é a natureza e o papel da dúvida na vida do cristão?
Eu já escrevi sobre a dúvida porque muitas pessoas com quem conversava se sentiam culpadas por terem dúvidas. Elas pensavam que dúvida é a mesma coisa que descrença – e não é! No grego, no hebraico e em quase todas as línguas do mundo, dúvida significa algo como o meio do caminho entre a fé e a descrença.  Fé significa estar convencido de algo; descrença é não acreditar absolutamente em algo. Ora, a dúvida é o meio de caminho. A dúvida, em si, não é descrença – mas precisa ser resolvida, porque poderá se transformar em descrença. Nos meus livros, tento apresentar as diferentes maneiras pelas quais temos dúvidas e o que fazer para resolvê-las. Praticamente todo mundo tem uma dúvida em algum momento da vida; o mais importante é tornar as pessoas libertas para que compartilhem suas dúvidas. Então, devemos ser honestos sobre isso e compreender que o mais importante é saber resolver as dúvidas e voltar a ter uma segurança plena de fé.
Uma de suas mensagens diz que a maior objeção para a fé cristã são os cristãos. Como assim?
A coisa que faz com que os não-cristãos fiquem mais enojados com a nossa fé é a hipocrisia. É a atitude daquelas pessoas que dizem uma coisa e praticam outra. Neste sentido, a hipocrisia tem sido o grande obstáculo à fé. E ninguém teve uma posição mais contrária à hipocrisia do que Jesus – então, quando nós, que dizemos ser seguidores de Cristo, somos hipócritas, estamos traindo tudo aquilo que o Mestre nos chamou a ser. Erasmo, no tempo da Renascença, disse: “Se quisermos levar os turcos para Cristo, precisamos, antes de mais nada, sermos cristãos nós mesmos”. Hoje, ocorre a mesma coisa. Toda vez que um cristão não vive no padrão de Jesus, estamos vulneráveis à acusação de hipocrisia. 

No contexto atual, qual é o futuro que se vislumbra para as denominações protestantes como instituições?
Há uma resistência às instituições hoje. No mundo globalizado, as nossas instituições – incluindo a família e a Igreja – estão claramente perdendo a força. Talleyrand, um político francês do século XIX, disse que, sem indivíduos, nada acontece; mas sem instituições, nada permanece. Hoje, muito se fala da fé dos sem-igreja, e isso acaba levando a uma  espiritualidade muito ruim e contrária à Bíblia. Muitos cristãos, sobretudo os jovens, têm uma percepção equivocada daquilo que devem almejar. As pessoas dizem: “Posso adorar a Deus num campo de golfe da mesma maneira que na igreja”. Sem dúvida. Mas esse tipo de fé, além de não ter respaldo bíblico, não tem força – é como um cogumelo que cresce na madrugada e de manhã já desaparece.  A Igreja é uma instituição da qual precisamos; porém, a Igreja institucionalizada está perdendo sua verdade. Nós precisamos de uma instituição com verdade, com vida. Precisamos, portanto, de uma reforma das instituições.

Em sua opinião, os cristãos estão deixando um vácuo na sociedade?
O problema não é bem esse. Não é que os cristãos não estejam aonde deveriam estar; o problema é que eles não são o que devem ser, exatamente onde estão. E precisamos de cristãos que saibam como aplicar o senhorio de Jesus e fazer a integração de sua fé em cada parte, em cada esfera da vida. A fé de cada um precisa ser integrar ao todo de sua vida. Os crentes devem viver de maneira cristã, devem trabalhar de maneira cristã. Quem é advogado e conhece Jesus deve exercer a advocacia de maneira cristã. Isso vale para qualquer um que professe fé no Salvador – o médico, o técnico da computação, o lixeiro. Só assim teremos chance de ser sal e luz e ganhar de volta a cultura. Infelizmente, o número de cristãos que pensam é uma minoria. Nas Escrituras, temos o mandamento de amar ao Senhor nosso Deus com todo o nosso entendimento. Mesmo assim, muitos cristãos simplesmente não pensam. Dessa forma, nunca conseguiremos ganhar o mundo moderno, a não ser que tenhamos uma geração que aprenda a pensar biblicamente e de maneira cristã.

Em que dimensão a fé cristã contemporânea sofre influência pós-moderna?
Esse pós-modernismo tem raízes em Nietzsche e outros pensadores tremendamente anticristãos. O que é mais chocante é que o pós-modernismo tem muita força entre os evangélicos na Inglaterra e nos Estados Unidos, bem como em outras partes do mundo – e, pelo que ouço falar, aqui no Brasil também. É irônico porque floresce na França nos anos 1960 quando não havia terreno para crescer na Alemanha do pós Guerra. Daí quando perde força na França, ela floresce nas universidades americanas – bem quando as universidades francesas já tinham abandonado essas idéias. Mas o que é mais terrível ainda, é que agora está florescendo entre os os cristãos em boa parte do mundo. E isso no exato momento em que essas idéias estão morrendo nas universidades americanas. Conhecemos o principio do mercado de investimentos: compra-se na baixa, vende-se na alta. Se você quer fazer lucro, jamais poderá comprar na alta e vender na baixa. Mas os evangélicos têm esse habito estúpido de abraçar as idéias bem quando elas estão moribundas. E são sempre as últimas pessoas acreditando nessas idéias passageiras. O pós-modernismo é profundamente anti-bíblico. É o grande perigo que ronda a fé cristã hoje.
http://www.cristianismohoje.com.br/interna.php?id_conteudo=565&subcanal=36

De Profissão à Vocação



por
Rev. Ricardo Barbosa de Souza
Alguns dias atrás, ouvi um pastor afirmar, até com certo orgulho, que atendia uma média de 30 pessoas por dia em seu gabinete pastoral. A princípio, aquela afirmação me deixou pasmo. Nunca tinha ouvido falar de alguém que tivesse conseguido tal façanha.
Considerando que este pastor trabalha ininterruptamente (sem parar para almoço, água, cafézinho, banheiro etc.) das 8 da manhã às 6 da tarde, ou seja, 10 horas, ele disporia apenas de 20 minutos para cada pessoa, isso sem contar o tempo que se perde entre a saída de um e a entrada de outro.
Vinte minutos para ouvir os dilemas da alma e do coração, aconselhar, orientar e orar com cada um. De duas uma: ou há um certo exagero nos números, comum das estatísticas dos pastores no Brasil, ou o significado da vocação pastoral foi completamente perdido.
Não pretendo, aqui, analisar este fato específico mas, fazer algumas considerações em torno da figura do pastor no mundo moderno. As mudanças pelas quais o mundo vem passando são profundas e rápidas e, inegavelmente, afetam tanto a igreja como o sacerdócio.
A Igreja moderna transformou-se num negócio, numa empresa, e o pastor num executivo que luta para manter-se no mercado. Esta é, talvez, uma das mudanças mais significativas e sérias que estamos atravessando.
Somos agora executivos eclesiásticos, circulando com agendas eletrônicas, telefones celulares, secretárias, auxiliares e assistentes, para atender a um volume cada vez maior de reuniões, entrevistas, conferências, aconselhamentos, etc. Ser ocupado, tornou-se um símbolo de "status" e sucesso tanto no mundo secular como no religioso. Ter uma agenda repleta de compromissos é sinal de competência; afinal, ninguém considera um médico competente, cuja sala de espera do consultório encontra-se absolutamente vazia, e ele, confortavelmente sentado em sua cadeira lendo uma boa revista. Para ser competente, precisa estar com a agenda dos próximos meses completamente cheia. Este sim é um bom profissional. Nesta busca por sucesso e "status" não temos mais tempo para construirmos amizades verdadeiras e profundas, nem tempo para caminharmos com nossos amigos no caminho do discipulado. Não temos tempo para ouvir as histórias dos velhos, os dramas dos mais novos e as crises da alma humana. Dispomos apenas de 20 minutos.
Vivemos hoje um processo de profissionalização do sacerdócio, o qual vem deixando de ser uma vocação para tornar-se numa profissão, e isto faz uma diferença tremenda nos resultados. Henri Nouwen em seu livro "Creative Ministry" apresenta três perigos ou armadilhas que estes líderes profissionais enfrentam.

O primeiro é o perigo do concretismo.
Trata-se da tendência ou inclinação de ter como motivação principal os resultados objetivos e concretos decorrentes das ações do ministério.
Muitos líderes encontram-se frustrados porque os resultados que esperam nem sempre aparecem com rapidez e objetividade que gostariam.
O profissionalismo nos induz a avaliar o ministério por resultados mensuráveis. No entanto, o ministro da reconciliação que atua na promoção do encontro do homem com Deus, com o próximo e consigo mesmo, não pode avaliar seu ministério por resultados mensuráveis estatisticamente.

O segundo perigo é o do poder.
Líderes profissionais encontram-se constantemente diante do perigo de criarem pequenos reinos para eles mesmos. O profissional necessita ser reconhecido, admirado, aclamado.
Precisa sentir-se e preservar-se superior aos outros para mantê-los cativos e dependentes. Geralmente o líder profissional é cercado de admiradores e não de discípulos, de dependentes emocionais e não de amigos. O poder impede que as pontes de amizade e comunhão sejam estabelecidas. O líder profissional que cai na armadilha do poder acaba tornando-se um anti ministro da reconciliação.

O terceiro perigo é o do orgulho.
O profissional reconhece que as mudanças precisam acontecer, empenha-se em converter as pessoas mas é tentado a pensar que ele próprio não precisa de conversão. Ao invez de reconhecer que é parte da comunidade que serve, veste a fantasia de "messias", intocável, sempre correto e justo.
A natureza da vocação é essencialmente relacional. Somos chamados para promover a reconciliação. Este chamado envolve mais do que a capacidade de execução de projetos de natureza religiosa ou conversas de 20 minutos; envolve a arte de penetrar nos lugares secretos da alma humana e trazer para dentro deles a presença divina, conduzi-los à experiência da oração e ao encontro com o Criador. Isto exige tempo. A profissionalização do ministério torna-nos desumanos, mais preocupados conosco e nosso sucesso do que com a vida e seus afetos.
Algum tempo atrás uma paroquiana abordou-me mais ou menos assim: "Sei que você é uma pessoa bastante ocupada, e que quase nunca tem tempo, mas gostaria de poder conversar um pouco". Talvez devesse ficar contente com este "elogio", mas, se não tenho mais tempo para conversar com as pessoas, se estou tão absorvido com meus "negócios" que já não disponho de tempo para o pastoreio, se minha agenda anda tão cheia a ponto de não poder sentar e ouvir um pouco as conversas sobre a vida, que tipo de pastor sou? Precisamos resgatar a natureza da vocação da igreja e do pastor. Não fomos chamados para o mercado, mas para a vida.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Como posso descobrir a minha vocação?

Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer. [1Corintios 12.4-7,11]

Você sabe que tem uma vocação quando seu conjunto de talentos, capacidades e habilidades está identificado. Os conceitos de inteligências múltiplas e de dons e ministérios indicam que todas as pessoas são dotadas de recursos para realizações úteis. Quando somos conscientes dos recursos que nos são inerentes ou que recebemos e ou adquirimos ao longo da vida, podemos discernir melhor a contribuição que podemos dar para o bem comum.

Você sabe que tem uma vocação quando seu conjunto de talentos, capacidades e habilidades está disponibilizado de forma organizada. Contribuições pontuais e ações eventuais não são suficientes. A vocação é exercida numa rotina de atividades por meio das quais canalizamos nossos recursos para suprir necessidades específicas das pessoas.

Você sabe que tem uma vocação quando sua contribuição independe de remuneração. Na verdade, quando você está inclusive disposto ou disposta a pagar para continuar a fazer o que faz. Paulo de Tarso era fazedor de tendas por ocupação e apóstolo por vocação. Sua atividade apostólica não dependia de remuneração, e inclusive era, de quando em vez, auto-financiada.

Você sabe que tem uma vocação quando existe uma necessidade do/no mundo a respeito da qual você se sente responsável. Pode ser um grupo social, um povo, uma instituição, uma causa, enfim, algo pelo que você se sente impelido ou impelida a fazer alguma coisa.

Você sabe que tem uma vocação quando aquilo que você faz exige mais do que mera intuição, exige capacitação. Para exercer uma vocação você deve se comprometer a estudar, se aperfeiçoar e se desenvolver de modo a fazer cada vez melhor e com mais excelência, eficiência e eficácia aquilo que faz.

Você sabe que tem uma vocação quando as coisas que acontecem ao redor de sua atuação se explicam apenas pela ação do Espírito Santo. O chamado divino para uma tarefa específica se faz sempre acompanhar dos recursos divinos para sua concretização e sucesso.

Você sabe que tem uma vocação quando recebe constante feedback (retorno) de pessoas que agradecem e glorificam a Deus pela sua vida. O critério último de uma vocação não depende de quanto você gosta do que faz, mas de quanto as pessoas são abençoadas pela sua contribuição.

Você sabe que tem uma vocação quando, ao final de um artigo a respeito de vocação, você não tem um monte de interrogações na cabeça. Como na conversa em que um jovem pergunta ao pastor como saber se está apaixonado, e o pastor responde "Não sei, mas sei que você não está". Quem precisa perguntar "como posso descobrir minha vocação?", ainda não a descobriu - não significa que não tem uma vocação, mas que ainda não sabe qual é.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O Paradigma: Tornando-nos mais Semelhantes a Cristo - Por John Stott.


O Paradigma: Tornando-nos mais Semelhantes a Cristo    
Por John Stott.


Lembro-me muito claramente de que há vários anos, sendo um cristão ainda jovem, a questão que me causava perplexidade (e a alguns amigos meus também) era esta: Qual é o propósito de Deus para o seu povo? Uma vez que tenhamos nos convertido, uma vez que tenhamos sido salvos e recebido vida nova em Jesus Cristo, o que vem depois? É claro que conhecíamos a famosa declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Sabíamos disso e críamos nisso. Também refletíamos sobre algumas declarações mais breves, como uma de apenas sete palavras: “Ama a Deus e ao teu próximo”. Mas de algum modo, nenhuma delas, nem outra que pudéssemos citar, parecia plenamente satisfatória. Portanto, quero compartilhar com vocês o entendimento que pacificou minha mente à medida que me aproximo do final de minha peregrinação neste mundo. Esse entendimento é: Deus quer que seu povo se torne semelhante a Cristo. A vontade de Deus para o seu povo é que sejamos conformes à imagem de Cristo.
Sendo isso verdade, quero propor o seguinte: em primeiro lugar, demonstrarmos a base bíblica do chamado para sermos conformes à imagem de Cristo; em segundo, extrairmos do Novo Testamento alguns exemplos; em terceiro, tirarmos algumas conclusões práticas a respeito. Tudo isso relacionado a nos assemelharmos a Cristo.

Então, vejamos primeiro a base bíblica do chamado para sermos semelhantes a Cristo. Essa base não se limita a uma passagem só. Seu conteúdo é substancial demais para ser encapsulado em um único texto. De fato, essa base consiste de três textos, os quais, aliás, faríamos muito bem em incorporar conjuntamente à nossa vida e visão cristã: Romanos 8:29, 2 Coríntios 3:18 e 1 João 3:2. Vamos fazer uma breve análise deles.

Romanos 8:29 diz que Deus predestinou seu povo para ser conforme à imagem do Filho, ou seja, tornar-se semelhante a Jesus. Todos sabemos que Adão, ao cair, perdeu muito — mas não tudo — da imagem divina conforme a qual fora criado. Deus, todavia, restaurou-a em Cristo. Conformar-se à imagem de Deus significa tornar-se semelhante a Jesus: O propósito eterno de predestinação divina para nós é tornar-nos conformes à imagem de Cristo.

O segundo texto é 2 Coríntios 3:18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Portanto é pelo próprio Espírito que habita em nós que somos transformados de glória em glória — que visão magnífica! Nesta segunda etapa do processo de conformação à imagem de Cristo, percebemos que a perspectiva muda do passado para o presente, da predestinação eterna de Deus para a transformação que ele opera em nós agora pelo Espírito Santo. O propósito eterno da predestinação divina de nos tornar como Cristo avança, tornando-se a obra histórica de Deus em nós para nos transformar, por intermédio do Espírito Santo, segundo a imagem de Jesus.

Isso nos leva ao terceiro texto: 1 João 3:2: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”. Não sabemos em detalhes como seremos no último dia, mas o que de fato sabemos é que seremos semelhantes a Cristo. Não precisamos saber de mais nada além disso. Contentamo-nos em conhecer a verdade maravilhosa de que estaremos com Cristo e seremos semelhantes a ele, eternamente.

Aqui há três perspectivas: passado, presente e futuro. Todas apontam na mesma direção: há o propósito eterno de Deus, pelo qual fomos predestinados; há o propósito histórico de Deus, pelo qual estamos sendo transformados pelo Espírito Santo; e há o propósito final ou escatológico de Deus, pelo qual seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é. Estes três propósitos — o eterno, o histórico e o escatológico — se unem e apontam para um mesmo objetivo: a conformação do homem à imagem de Cristo. Este, afirmo, é o propósito de Deus para o seu povo. E a base bíblica para nos tornarmos semelhantes a Cristo é o fato de que este é o propósito de Deus para o seu povo.

Prosseguindo, quero ilustrar essa verdade com alguns exemplos do Novo Testamento. Em primeiro lugar, creio ser importante que nós façamos uma afirmação abrangente como a do apóstolo João em 1 João 2:6: “Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. Em outras palavras, se nos dizemos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo. Este é o primeiro exemplo do Novo Testamento: temos de ser como o Cristo Encarnado.

Alguns de vocês podem ficar horrorizados com essa idéia e rechaçá-la de imediato. “Ora”, me dirão, “não é óbvio que a Encarnação foi um evento absolutamente único, não sendo possível reproduzi-lo de modo algum?” Minha resposta é sim e não. Sim, foi único no sentido de que o Filho de Deus revestiu-se da nossa humanidade em Jesus de Nazaré, uma só vez e para sempre, o que jamais se repetirá. Isso é verdade. Contudo, há outro sentido no qual a Encarnação não foi um evento único: a maravilhosa graça de Deus manifestada na Encarnação de Cristo deve ser imitada por todos nós. Nesse sentido, a Encarnação não foi única, exclusiva, mas universal. Somos todos chamados a seguir o supremo exemplo de humildade que ele nos deu ao descer dos céus para a terra. Por isso Paulo diz em Filipenses 2:5-8: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Precisamos ser semelhantes a Cristo em sua Encarnação no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação auto-imposta que está por trás da Encarnação.

Em segundo lugar, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua prontidão em servir. Agora, passemos de sua Encarnação à sua vida de serviço; de seu nascimento à sua vida; do início ao fim. Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos, conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13: “Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo” — note-se a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós também”.

Há cristãos que interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a cerimônia do lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa — e podem até estar certos em fazê-lo. Porém, vejo que a maioria de nós fez apenas uma transposição cultural do mandamento de Jesus: aquilo que Jesus fez, que em sua cultura era função de um escravo, nós reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta que nada há de humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros.

Em terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me lembra especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Observe que o texto se divide em duas partes. A primeira fala de andarmos em amor, um mandamento no sentido de que toda a nossa conduta seja caracterizada pelo amor, mas a segunda parte do versículo diz que ele se entregou a si mesmo por nós, descrevendo não uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal passado, fazendo uma clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos semelhantes a Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário, altruistamente se doa.

Observe a idéia que aqui se desenvolve: Paulo está nos instando a sermos semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés dos irmãos e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à imagem de Cristo.
Em quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas o de Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre sofrermos como Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o início da perseguição. Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os escravos cristãos são instados a, se castigados injustamente, suportarem e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro prossegue dizendo que para isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também sofreu, deixando-nos o exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os seus passos. Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao sofrimento injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo atual.

No quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os ensinos de Paulo e de Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus registrados por João. Em João 17:18, Jesus, orando, diz: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, referindo-se a nós. E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Estas palavras carregam um significado imensamente importante. Não se trata apenas da versão joanina da Grande Comissão; é também uma instrução no sentido de que a missão dos discípulos no mundo deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto? Nestes textos, as palavras- chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das outras pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo Michael Ramsey há alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos colocarmos, com compaixão amorosa, do lado de dentro das dúvidas do duvidoso, das indagações do indagador e da solidão do que se perdeu no caminho é que poderemos afirmar e recomendar a fé que professamos”.
Quando falamos em “evangelização encarnacional” é exatamente disto que falamos: entrar no mundo do outro. Toda missão genuína é uma missão encarnacional. Temos de ser semelhantes a Cristo em sua missão.
Estas são as cinco principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo: em sua Encarnação, em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em sua missão.

Quero, de modo bem sucinto, falar de três conseqüências práticas da assemelhação a Cristo.

Primeira: A assemelhação a Cristo e o sofrimento. Por si só, o tema do sofrimento é bem complexo, e os cristãos tentam compreendê-lo de variados pontos de vista. Um deles se sobressai: aquele segundo o qual o sofrimento faz parte do processo da transformação que Deus faz em nós para nos assemelharmos a Cristo. Seja qual for a natureza do nosso sofrimento — uma decepção, uma frustração ou qualquer outra tragédia dolorosa —, precisamos tentar enxergá-lo à luz de Romanos 8:28-29. Romanos 8:28 diz que Deus está continuamente operando para o bem do seu povo, e Romanos 8:29 revela que o seu bom propósito é nos tornar semelhantes a Cristo.

Segunda: A assemelhação a Cristo e o desafio da evangelização. Provavelmente você já se perguntou: “Por que será que, até onde percebo, em muitas situações os nossos esforços evangelísticos freqüentemente terminam em fracasso?” As razões podem ser várias e não quero ser simplista, mas uma das razões principais é que nós não somos parecidos com o Cristo que anunciamos. John Poulton, que abordou o tema num livreto muito pertinente, intitulado A Today Sort of Evangelism , escreveu:

“A pregação mais eficaz provém daqueles que vivem conforme aquilo que dizem. Eles próprios são a mensagem. Os cristãos têm de ser semelhantes àquilo que falam. A comunicação acontece fundamentalmente a partir da pessoa, não de palavras ou idéias. É no mais íntimo das pessoas que a autenticidade se faz entender; o que agora se transmite com eficácia é, basicamente, a autenticidade pessoal”.

Isto é assemelhar-se à imagem de Cristo. Permitam-me dar outro exemplo. Havia um professor universitário hindu na Índia que, certa vez, identificando que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês, cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, o Reverendo Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã não existiria mais”.

Isto me leva ao terceiro ponto: Assemelhação a Cristo e presença do Espírito Santo em nós. Nesta noite falei muito sobre assemelhação a Cristo, mas será que ela é alcançável? Por nossas próprias forças é evidente que não, mas Deus nos deu seu Santo Espírito para habitar em nós e nos transformar de dentro para fora. William Temple, que foi arcebispo na década de 40, costumava ilustrar este ponto falando sobre Shakespeare:

“Não adianta me darem uma peça como Hamlet ou O Rei Lear e me mandarem escrever algo semelhante. Shakespeare era capaz, eu não. Também não adianta me mostrarem uma vida como a de Jesus e me mandarem viver de igual modo. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de Shakespeare pudesse entrar e viver em mim, então eu seria capaz de escrever peças como as dele. E se o Espírito Santo puder entrar e habitar em mim, então eu serei capaz de viver uma vida como a de Jesus”.

Para concluir, um breve resumo do que tentamos pensar juntos aqui hoje: O propósito de Deus é nos tornar semelhantes a Cristo. O modo como Deus nos torna conformes à imagem de Cristo é enchendo-nos do seu Espírito. Em outras palavras, a conclusão é de natureza trinitária, pois envolve o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

sexta-feira, 2 de março de 2012

talmidim - Ed René Kivitz

Talmidin
talmidim. [do hebraico] S. m. pl.: aprendizes, discípulos
Na Galiléia do tempo de Jesus, os meninos em Israel iniciavam seus estudos da Torah aos 6 anos de idade. Aos 10 anos já tinham a Torah decorada. Terminado esse primeiro estágio na escola primária (Beit Sefer), a maioria dos meninos se dedicava a aprender o ofício da família. Os que se destacavam seguiam estudando na escola secundária (Beit Talmud) e mergulhavam no restante das Escrituras e na tradição oral dos rabinos e suas muitas interpretações e aplicações da Lei de Moisés. Aos 14 e 15 anos, somente os melhores entre os melhores estavam estudando, geralmente aos pés de um rabino famoso e respeitado. Esses pouquíssimos meninos da elite intelectual de Israel eram chamados talmidim (trad. discípulos).